sexta-feira, 31 de julho de 2009

Rebelión de los Muñecos - El Capote

Acontece, entre os dias 15 de agosto e 10 de setembro, em Santiago, o encontro Rebelión de los Muñecos, no qual 5 grupos que trabalham com teatro de formas animadas apresentam espetáculos, oficinas e debates junto ao público.

Hoje assisti ao espetáculo El Capote, adaptação feita pelo grupo Los Milagros para a obra de Gogol.
O trabalho é precioso. Em uma adaptação muito bem cuidada, a obra, que mescla a linguagem do teatro de bonecos com projeção audiovisual, cria uma atmosfera envolvente, delicada, e, por que não dizer – fria, já que é esse o ingrediente chave da história do escritor russo. Num espaço em que o frio que bate à porta se confunde com a frieza dos personagens que cercam a vida do sensível Akákievitch, a precisão dos movimentos realizados pelos manipuladores se encarregam de aquecer a caixa cênica diante dos olhos dos espectadores. A voz em off dos personagens, aliada à estética algo retrô da projeção audiovisual conseguem envolver o expectador em uma outra relação tempo-espaço, a qual, justamente por lhe parecer distante, lhe toca com mais sutileza e força.
Em outras palavras, tudo é construído para que o personagem seja visto como “o outro”: um homem comum, com uma existência comum em uma repartição não menos comum. Numa rotina escassa de recursos e de desejos, o último buraco que se abre na última parte ainda inteira do seu paletó leva-lhe a uma visita ao alfaiate. Este – mais um homem comum dentre tantos outros – informa-lhe que a única possibilidade para proteger-se daquele que seria o mais frio de todos os invernos seria encomendar um novo sobretudo.
A difícil decisão por sacrificar-se a fim conseguir pagar pela nova vestimenta faz de Akákievitch um novo homem: um homem que sonha. E se um homem que sonha é um homem que tudo pode, eis o momento em que personagem e expectador finalmente se encontram: ao se olhar no espelho trajado com a tão desejada roupa, Akákievitch coloca-se de frente para a platéia, fitando a todos, como se todos fôssemos um. E desde então, nada mais delicioso que ser o próprio Akákievitch a dançar com sua nova roupa, a quase perder-se em meio às próprias risadas. Ele agora é um homem que ri. Com roupas novas, somos desde então seres que se permitem o direito ao riso.
Mas eis que chega a roda viva, a outra mão de deus, ou a mesma mão dos homens, a lembrar-nos de que muito riso é sinal de pouco siso, e a luz que iluminou a existência de Akákievitch em forma de capote é brutalmente apagada em uma praça escura.
Akákievitch, abandonado, volta a ser somente um corpo, uma imagem: a morte nos transforma em imagem aos olhos do Criador. Abandonados, e ainda mais solitários (já não temos o amigo Akákievitch com quem compartilhar o desejo de noites mais quentes), voltemos às nossas casas, a ligar nossas estufas e a dormir o sono dos incautos, para, amanhã, cumprirmos com mais um dia comum.
 
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